Esta é uma página, que fala muito de autismo, do João, das suas barreiras, obstáculos e acima de tudo, conquistas e vitórias ao longo do seu percurso.
Hoje irei resumir um pouco a minha história como mãe ao longo destes 20 anos, expor sentimentos, emoções, da forma mais pura que conseguir.
Espero conseguir captar a vossa atenção para lerem tudo e chegar aos vossos corações e que de alguma forma, mesmo sendo uma pequena gota no oceano, se fizer a diferença na vida de uma pessoa, já será um pequeno passo, para muitos passos futuros.
Não sou mãe de um autista, sou mãe do João Maria, e não mãe do João Autista… este é o primeiro ponto que pretendo referir… sou a Mãe do João Maria, como também sou mãe do José Maria, do Afonso Maria e António Maria.
Quem é pai ou mãe vai entender tudo o que irei descrever a seguir. Mas quem não é, irá descobrir o que os seus pais sentiram quando os viram pela primeira vez.
15 março 2003, nascia um príncipe que faria o meu coração bater de alegria. Não sabia se conseguiria estar altura daquele novo desafio. Mas depois de o ver, o meu coração disse-me para colocar todas as dúvidas de lado porque este bebé far-me-ia ainda mais feliz! Não cabia tanto amor no meu coração. Não sabia que o coração de mãe cresce, aumenta de tamanho, de espaço e de largura. E no lugar onde cabia um, naquele momento cabiam dois - e posteriormente caberiam 3 e mais tarde 4.
E é assim que começa esta história. O João foi o meu 2º filho, muito desejado, e estava muito feliz, e já com muitos planos, como todas as mães fazem com os filhos.
Aos 3 anos, fui alertada pela escola, O Bobocas, [ não posso deixar de referir, pois foi um grande pilar e ajuda nesta altura, com muita, compreensão, apoio psicológico e emocional e até financeiro ], que algo não estava bem com o João, e fui reencaminhada para a psicóloga da escola, que na altura não conseguiu ajudar e reencaminhou-nos para o Cadin. Um Cadin de 18 anos atrás, não o Cadin atual.
No dia seguinte estava lá eu, com consulta marcada com o que eu achava ser o melhor especialista neuropediatra, mas sem saber exatamente para o que ía.. e nesse mesmo dia recebi o diagnóstico:
- O seu filho é autista!
- Autista?
Como qualquer mãe desesperada… comecei a questionar-me… Mas o que quer isso dizer? O meu filho vai falar? O meu filho vai para a escola? O meu filho vai aprender a ler e a escrever?
E quando encontrava respostas, normalmente era o Não!… mas eu desde sempre que tenho em mim “nunca aceitar um NÃO como resposta” … por isso tive de ir à procura do sim!
A verdade, é que naquele momento, de repente, tudo se desmoronou à minha volta.
Senti um peso de dor enorme, como já nunca sentia há muito tempo. Talvez quando recebi a notícia da morte do meu avô… uma angústia, sensação de frustração, um vazio…
Ouvir tudo o que me diziam, sem pouparem-me aos pormenores, sozinha, sempre sozinha e a tentar assimilar toda a informação... pelo menos estava a tentar... os pensamentos misturavam-se com a voz do médico! Só queria sair dali a correr, procurar outros médicos que me dissessem o que eu queria ouvir. Mas isso não aconteceu. O diagnóstico confirmou-se.
Queria segurar as lágrimas, mas elas teimavam em cair. Não queria que o João percebesse que estava a chorar! Mas a verdade é que aquelas lágrimas não tinham qualquer significado para ele. O João não sabia o que eram emoções. Ele ria-se perdidamente quando via pessoas a chorar.
A partir daquele momento, no meio de tantas emoções, descobri que minha vida não era perfeita: mas estava prestes a tornar-se, a mais perfeita possível dentro das imperfeições.
Então olhei em frente… e pensei… esta é a estrada que tenho de caminhar, ao lado do João, ao lado dos meus, vamos lá continuar nesta viagem e fazer com que a nossa vida nos volte a sorrir.
A felicidade de ser mãe é superior a tudo, por isso tive que passar por várias fases:
• 1.perceber o diagnóstico…
• 2.aceitar
• 3.mais importante de tudo procura de ajuda para aprender a lidar com o João e comigo mesma! Também me redescobri e continuo nessa descoberta interior…
Ter o acompanhamento certo, também é uma grande ajuda!
Tive de deixar o Cadin, e a APPDA Lisboa era a nossa 2ª casa, entre casa, escola e trabalho.
A APPDA Lisboa, com a Ana Gouveia, foi onde aprendi muita coisa e sem o seu apoio, hoje o João estaria internado numa ala psiquiátrica e eu noutra, porque eu não ia aguentar!
Diariamente luto contra o preconceito, as dificuldades e como no final, com esperança e muito trabalho, sinto que sairemos vencedores desta batalha.
Tenho dias que não me sinto assim tão orgulhosa, tão feliz... Quando o João na altura tinha as suas crises era desesperante. Sentia-me impotente.
Posso dar um exemplo:
No inicio, cada dia que saía de casa, nas suas crises, que ainda não estavam controladas, no hall de entrada, tinha de me deitar no chão, e com as técnicas aprendidas, segurava-o de forma a proteger-me, a protege-lo dele próprio, e o irmão encostado a uma parede, assustado, a presenciar tudo, tínhamos de estar ali, calmos, ora a cantar, ora simplesmente num silêncio absoluto, até a crise passar. Passava, e a nossa rotina voltava ao normal, como se nada tivesse acontecido. O João não se lembrava de nada. Apenas se sentia um pouco mais exausto. Eu mãe, apenas tinha de garantir o mínimo de alterações nas rotinas, pois um simples mudar de caminho para chegar mais cedo à escola, era um ‘gatilho’ para despoletar uma crise…
Ser mãe já é um desafio, ser mãe do João Maria com todo o diagnóstico apresentado então era um desafio diferente, de descoberta diária e constante…
Na altura era preciso muito poder de encaixe, aceitação, resiliência e humildade para conseguir lidar com o João. E, principalmente, ter capacidade de ver a vida de forma diferente para conseguir compreender todos os “porquês” que iam aparecendo ao longo desta luta, por vezes, inglória.
Aprendo muito com ele e sofro muito com ele também.
Ser mãe do João exige força e resiliência quase sobre-humana. Não há forma de fugir ao desgaste físico, psicológico e monetário. E o futuro era sempre um medo aterrador. Era como andar numa montanha-russa repleta de altos e baixos que tinha de lidar todos os dias e, às vezes, várias vezes ao dia.
Desde o diagnóstico do João que nada na minha vida voltou a ser igual e jamais voltará a ser.
A minha vida social e profissional ficou condicionada. Tive de fazer escolhas na profissão devido aos horários e tentei sempre ter trabalhos que me permitissem gerir o meu tempo de acordo com as necessidades do João. – Não me arrependo dessas escolhas, por isso conseguimos chegar até aqui.
O objetivo de cada mãe é que os seus filhos sejam MUITO felizes… por isso com o João nada muda… apenas tenho que ajudar o João a ser o mais feliz possível!
Superamos os desafios mais comprometedores do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), assim como, revertemos os obstáculos em oportunidades.
De uma criança autista sem muitas esperanças até ao jovem adulto, quase independente, no qual se está a tornar.
Sem o João não teria chegado onde estou hoje.
O João é uma lembrança constante do que preciso para ser a minha melhor versão.
Sem dúvida!
Existe uma diferença de educar um filho autista.
Na altura tinha que colocar-me numa posição, onde eu tinha que esquecer tudo o que eu conhecia, o que eu sabia, sobre a vida, como educar um filho, o que é racional, de como é conversar com alguém e tinha de passar para outro nível, outro patamar, para conseguir chegar ao dele e ser possível ele entender-me.
O João chega a ser visto como “só atrapalha, não vale nada”, mas tem muito para nos ensinar. Ensina a todos que convivem com ele, valores que tornam pessoas ao seu redor, pessoas melhores, algo que nenhuma escola ensina. E o João irá sempre precisar da ajuda dos seus colegas para entender a nossa humanidade, por vezes do quanto pode ser má e que ele não possui essa maldade e, para viver em sociedade, ele precisa entender e saber viver e lidar com isso.
Ao longo deste percurso, descubro também que se fala pouco do autismo de forma informal e por isso na altura decidi criar este blog… um local onde pudesse partilhar informações e conteúdos sobre este tema e também partilhar as naturais emoções que qualquer um de nós sentiria… este blog era para nos ajudar, é para que todos nós conseguíssemos perceber que não estávamos sozinhos… http://partilharombroamigo.blogspot.com/
A existência deste blog não foi criado com o intuito de receber elogios ou parabéns do meu trabalho, não sou nenhuma vítima, não sou nenhuma heroína... esta é a minha missão e a minha OBRIGAÇÃO como mãe.
Neste blog, partilho tudo o que sei, para quem achar que sai daqui a ganhar com a informação que disponibilizo – informação de estratégias, atividades, jogos didáticos, pec´s (essenciais na comunicado em autistas não verbais e formas de ajudar organizar e gerir tarefas) que foram essenciais na vida do João...
• PECS http://pecsemportugues.blogspot.com/
• ATIVIDADES http://actividadesautistas.blogspot.com/
• JOGOS DIDÁTICOS http://jogosdidacticos.blogspot.com/
Aqui partilho conquistas, lutas, vitórias, com as respetivas estratégias, decretos de lei, os jogos e atividades inacessíveis para tantas famílias, pois tudo era muito caro, os PECS, os programas para os desenvolver quase apenas acessíveis em instituições ou sites a valores exorbitantes. Tudo desenvolvido por mim, e partilhado para pais, educadores e professores, para download gratuito e muitos desabafos, onde comecei a receber feedback muito positivo de famílias que começaram a apoiar-se e a identificarem-se com a nossa história.
Enquanto estava a preparar este texto, acabei por relembrar um desabafo neste blog, de sentir-me cansada dos gritos ensurdecedores! De chegar ao fim da semana cansada e ao mesmo tempo culpada por sentir esse cansaço e depois ouvir o desabafo do irmão:
- Porque não tenho um irmão normal?
Mas ao mesmo tempo depois oiço o José a falar para o irmão, sozinhos no quarto:
- Tens medo João? Não tenhas. Está aqui o teu irmão mais velho. Eu protejo-te!
Por isso, acaba por ser muito gratificante viver e sentir os momentos e emoções, que só estas crianças e jovens nos conseguem dar, transmitir, fazer ver, sentir e viver!
Sem ele eu não seria metade da pessoa que sou hoje.
É impressionante como estas experiências na nossa vida nos fazem dar importância a pequeninas coisas. Passei a ver a beleza nas pequenas conquistas.
O João em pequeno não permitia ser tocado. Nem por mim. Tinha de ter uma manta entre mim e ele. O toque era insuportável para ele!
Pequenas conquistas capazes de me fazerem sentir a melhor mãe do mundo e que estou a conseguir cumprir a minha missão.
Nessas pequenas conquistas consegui encontrar forças, que não sabia que tinha, para continuar a lutar e mostrar que ele seria capaz de andar, de falar, seria capaz de ir para a escola, seria capaz de ler e escrever (professores que se recusaram a fazê-lo e tive de começar o processo, com a colaboração de outros professores externos que acreditavam tanto como eu, que também me ensinaram a cartilha maternal, que foi o que resultou com ele), seria capaz de viver, sonhar e voar! Com os mesmos direitos que os seus pares.
Não tenho orgulho no Autismo!
Se eu pudesse escolher…
Mas tenho muito orgulho no João, nas suas capacidades, no que ele nos dá, no que me dá, e apesar de não ter orgulho no Autismo, o Autismo não é uma doença, vejo-o como uma condição, e por isso, não é necessário ser excluído da nossa sociedade.
Neste percurso como mãe do João, com tanta dor, e luta, onde muitas vezes ao final do dia, o meu refugio é a cama, onde sozinha podia desabar a chorar e deixar cair toda a minha armadura pesada, que uso durante o dia para enfrentar uma sociedade cheia de preconceitos e descriminação social, também consigo receber um amor desinteressado e verdadeiro, capaz de me fazer sorrir.
Em 2021, depois de tantas lutas por direitos iguais foi com grande emoção que o João, como cidadão, foi cumprir o seu dever, de forma autónoma, votar! - foi uma luta durante anos para que não lhe tirassem esse direito.
Ser mãe é uma vida diária de lutas, composta por esperanças e deceções. Ser mãe do João é isso tudo, mas por vezes, confesso, de não querer assumir esta luta, não estar no comando.
E falando em lutas, em 2015, com tantas barreiras e muros, acabei por conhecer a Tânia Ribas, simpática, acessível tal como a vemos na televisão e nas redes sociais.
Apresentamos a petição, com a intenção de alterar a lei e melhorar as condições para a educação especial e numa luta de ‘DIFERENTES sim, mas com direitos iguais.’
Conseguimos mais de 4.300 assinaturas, das 4.000 que eram necessárias para sermos ouvidos em Assembleia da República.
Sim, a lei foi alterada mas existe ainda muito a fazer!
E chegamos a 2023! A nossa luta não para.
Somos muito permissivos com as crianças, até achamos alguma piada quando deitam a língua de fora, mas as crianças tornam-se adultos…
Então questiono? Sempre me questionei
- Onde andam essas crianças? Onde está o adulto autista? …
E aqui deparo-me com uma realidade...
As crianças autistas de ontem são os autistas adultos de hoje.
As crianças autistas de hoje serão os autistas de amanhã.
Agora sei onde andam.
Não se ouve falar deles porque existe uma taxa de suicídios e acidentes altíssima e os restantes estão em instituições, em casa aos cuidados dos pais, ou sozinhos a retroceder tudo que que aprenderam ou não, porque ninguém acreditou neles e/ou não foram estimulados e/ou porque os pais acabaram por ceder/desistir a meio do caminho sem mais forças obrigados a ceder à pressão…
Mas essa não é e não será a realidade do João, um jovem adulto atualmente com diagnóstico no Espectro do Autismo, pois eu mãe hoje dou a voz por ele, para no futuro possa ele ter voz para falar de si como ser que é.
Contra tudo e contra todos está a frequentar o 11º ano num curso profissional de Técnico de Ação Educativa.
Mas sem perceber que algo deste género alguma vez pudesse acontecer, foi recentemente recusado em escolas para fazer o seu estágio obrigatório para concluir o curso, onde foi considerado apto para fazer. Não vale a pena negar algo que foi partilhado por e-mail.
Mas como esta partilha não é para explorar este tema ‘diz que disse’, apenas partilho a revolta e mágoa que sinto.
Sinto-me traída pela sociedade em que vivo, que por acaso é da mesma espécie que eu. Já não se trata de inclusão, pois já passamos essa fase, trata-se de descriminação e preconceito. Pensei que já tínhamos passado o pior, mas afinal, esperava-nos algo pior, com a qual é uma luta tão injusta e nem sei que armas usar …
Quando já derrubamos tantos muros e barreiras, levamos tantas chapadas… levamos com mais um empurrão. Daqueles que nos fazem cair.
Arregacei as mangas, e fiz esse trabalho. Encontrei uma escola para o João. E no meio da mágoa, revolta, de chegar à cama e chorar, da vontade de gritar para o Mundo e dizer todas as asneiras que vos possa passar pela cabeça (sabem eu não sou pessoa de o fazer)... É este o meu papel como mãe.
Sim os autistas são capazes de trabalhar e desempenhar as suas funções adequadamente, como qualquer outra pessoa.
Eu sou excelente a fazer jogos em PowerPoint, trabalhar em Illustrator e Photoshop. Péssima em Excel!
Quem adora jogar à bola? Eu não gosto e não sei.
Quem sabe fazer um passos de break dance? Pois, mas se pedir ao João iriam ficar impressionados!
Somos todos diferentes, com ou sem diagnósticos.
Apenas a nossa sociedade não tem abertura suficiente, nem maturidade para receber estes jovens
Devido às suas diferenças, devido ao estigma, à descriminação social, mais de 80%, não conseguem uma oportunidade de trabalho com aspirações de uma carreira profissional.
Ser mãe é isto.
Lutar para que tenham capacidade de respeitar a sua própria forma de estar, viver, entender e aprender. É viver indignada com as faltas de apoio, com a falta de legislação adequada, de conseguir conciliar trabalho profissional com todas as consultas de acompanhamento necessárias, todas as reuniões de escola que são necessárias para exigir o respeito pelos seus direitos, para que não seja só mais um número.
É trabalhar e lutar muito, é chorar, mas também rir muito. É tudo vivido com muita intensidade.
Como mãe do João, e partilhando da forma mais pura os meus sentimentos, as minhas angústias, as minhas alegrias, a minha dor …
Que a minha luta, conquistas e vitórias, inspirem famílias a terem esperança, que consigamos mudar mentalidades, que num futuro próximo passemos a deixar de usar os prefixos ‘in’ e ‘des’ nas palavras ‘(in)capaz’ e ‘(des)empregado’ que tanto oiço dirigidas para o João e desabafos de mãe destes estes jovens e adultos com Perturbação do Espectro do Autismo (PEA).
Pelos meus filhos, autista ou não, todos diferentes, vou lutar até ao fim para que sigam os seus sonhos e principalmente que nunca deixem de ser eles próprios – porque incluir não é pedir que eles se adaptem, mas aceitá-los como são.
Mais do que a Esperança, seja possível virar a página deste livro e começar a ouvir novas histórias sobre estes jovens e adultos do nosso país.
E todos nós fazemos parte desta história.
O que é ser mãe do João Maria?
É ser mãe e pai a tempo inteiro.
O João terminou o estágio com sucesso.
Mais uma vez, ao longo da sua vida, sempre a ter de provar mais que os outros, para não desistirem dele, e agora chegamos ao ponto de ter de implorar que seja dada uma oportunidade para mostrar que é capaz …
Obrigada a quem conseguiu ler este texto tão longo, ter empatia.
Acredito mesmo, que com pequenos gestos e pequenos passos, todos juntos, vamos conseguir que as crianças de hoje, adultos de amanhã, não terão de passar por isto, e que percebam que:
O autismo é só uma forma diferente de perceber o mundo. Agora falta o mundo perceber o autismo de outra forma