sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Exclusão | Denuncia - pf partilhem

Entre muitos e-mails trocados com a escola, reuniões de 3 horas, a lutar pelos direitos do João, e a ouvir coisas como: tem noção do mal que está a fazer ao seu filho ao obrigar a ir a frequentar as aulas e tentar concluir o 5º ano... mesmo depois do teste positivo por mérito próprio
A ultima troca de e-mails foi a gota de água, assim como deixou explicito a crueldade que a nossa sociedade tem capacidade de exercer sobre meninos como o João. Mais grave ainda quando essa própria crueldade vem da parte de uma escola que se diz inclusiva.
O meu blog nunca teve este intuito de me queixar mas sim partilhar tudo o que existe de bom e de mau na convivência com um filho autista. Mas neste momento é inevitável. Para além de ter a necessidade de escrever e deixar registado tudo aquilo que sinto, quase como uma terapia, pois sei que algumas centenas de pessoas vão ler isto, vão sentir, entender, identificar-se e partilhar, quase como que denúncia, sobre como o que se anda a fazer com as crianças do ensino especial.
Mas isto é novidade? Não, eu sei que não. Mas quando essa crueldade vem dos próprios professores, quando a exclusão é consentida e motivada pelos próprios professores, ultrapassa todos os meus limites e capacidade de compreensão, já para não falar da tolerância, sentimentos de raiva, desprezo, revolta, frustação e com um coração apertado, angustiado e uma dor tão grande que sinto que o meu coração sangra. Nem nos meus piores pesadelos, alguma vez pensei que viria a passar por isto.
Nada mais fácil do que transcrever na integra a ultima troca de e-mails com um diretor de turma, que desde o inicio do ano letivo, me pede para confiar nele, e que de tudo vai ser feito para que os erros do passado não se repitam.
E-mail enviado por mim, após as notas dos testes do João. algumas coisas têm de ser discutidas. Mesmo com um teste adaptado, ainda existe muito a fazer e a melhorar, para ir de encontro com o PEI que o João tem. Nesse sentido, após pedidos por e-mail, pedidos registados na caderneta, pela 3ª vez envio um e-mail a pedir mais uma reunião para tentarmos resolver a questão da Professora de Ensino Especial, assim como é necessário analisarmos os testes, para que se possam detetar aquilo que não vai ao encontro do PEI e de futuro melhorar e não existir a necessidade de impugnar um teste.
"Boa Tarde Prof..., reforço o pedido já efetuado anteriormente, para a possibilidade de esclarecer alguns pontos referentes aos testes realizados pelo João de história e português.
Entretanto surgiu mais uma situação que é preciso ser esclarecida, referente às aulas e materiais de EV e ET. Existe alguma falha na comunicação e é necessário esclarecer rapidamente quais são os materiais necessários para as aulas, de forma a que o João não seja prejudicado por esta situação, a qual o mesmo não está a conseguir explicar.
Aproveito para solicitar então a reunião em conjunto com a Professora de ensino Especial AP, na segunda feira, dia ..., face à indisponibilidade da Professora AP para reunião em horário compatível com os nossos trabalhos, somos forçados a fazer alguns ajustes nos nossos horários de trabalho, de forma a que rapidamente consigamos esclarecer todas as questões pendentes referente a este apoio."


Antes de partilhar a resposta que tive a este e-mail, gostaria de deixar esclarecido, que antes do João ter realizado os testes, em reunião, recebi a informação que o João era um menino calmo, educado e que , apesar das suas dificuldades, estava bem enquadrado em contexto de sala de aula.

"Boa tarde D. Sofia Paço,
Durante esta semana foi informado que o João tem almoçado no refeitório sem ter efetuado o pagamento devido. Gostaria de saber se a questão já está resolvida.
As professoras de Português, HGP e EV/ET conversaram comigo a respeito do facto de estarem a acompanhar o João durante quase a totalidade das aulas e que ao final o resultado é muito aquém das aquisições de que precisa no 5º ano de escolaridade. No contexto de sala de aula, referiram ainda que o João é frequentemente chamado à atenção por estar virado para trás a tentar falar com os colegas. As docentes já escreveram no seu caderno diário no sentido de o ajudar a iniciar o trabalho, mas depois não há continuidade. Fica sempre à espera de que façam as tarefas por ele, o que não pode estar sempre a acontecer.
Ontem, na aula de matemática da turma 5ºB, os alunos, por iniciativa própria, sentiram a necessidade de falar sobre o comportamento do João nas aulas em que está presente. Relataram-me que o João está com frequência a tentar conversar com os alunos que sentam atrás bem como com o aluno que está ao seu lado. Este aluno chorou a pedir para sair do lado do João, pois sente-se prejudicado na concentração durante as aulas. Disseram inclusivamente que o João não atende às orientações das professores e acaba por interromper o trabalho que está a ser realizado pelos outros alunos da turma. Afirmaram que as professoras dão muita atenção ao João, mas este não realiza as tarefas em conformidade.
Peço-lhe que converse a este respeito com o João. (...)"


Bom, a reunião continua por marcar.... mas o que é isto?
Inevitavelmente tive de responder, com alguma cautela, pois as emoções, sentimentos e revolta eram muitas... Querendo quase acreditar, que o professor teria aproveitado este momento, para explicar o diagnostico do João, explicar o que é inclusão, o quanto é necessário serem cooperantes e o quanto isso pode ser enriquecedor para ambas as partes.
Segue então a minha resposta, mais uma vez a insistir a necessidade de nos reunir e a minha indignação perante tal relato:

"Poderemos falar sobre todos estes assuntos, e outros que mencionei na minha mensagem anterior, na reunião que estou a tentar agendar e para a qual já referi que terei de prejudicar o meu horário de trabalho.
A situação do pagamento dos almoços do João já está resolvida. O ano passado o João era instruído para me dar a indicação sobre o saldo e por isso eu conseguia saber quando o saldo estava quase a esgotar-se. Este ano ele não tem dado essa informação portanto presumo que o João não tem recebido indicação e reforço necessário para me dar o recado de que o saldo se está a esgotar.
Quanto ao comportamento na sala de aula, na ultima reunião que tivemos abordou-se a eventual necessidade de dar medicação ao João para aumentar a concentração e concluiu-se pela sua desnecessidade, uma vez que, pelo que nos relatou do feedback que tinha dos professores, o João tinha em geral um bom comportamento. De facto, existia apenas a situação da participação da professora de ensino especial AP a qual, como lhe disse, considerava muito estranha tendo em conta a compreensão que deve existir para o diagnóstico do João e inerente comportamento "obsessivo"/compulsivo e evidente necessidade de aplicação de técnicas especificas que devem ser do conhecimento dos professores de ensino especial para além de que a participação é posterior a ter-me "queixado" do João me relatar que o deixavam sozinho ao computador a ver vídeos de jogos pouco indicados para a sua idade e para os quais está proibido de ver em casa. Aproveito para perguntar qual o encaminhamento que está a ser dado a essa participação já que formalmente não foi ainda dada oportunidade de apresentação de defesa ao João.
Nessa mesma reunião, exprimi a preocupação por o João manifestar em casa que passava os intervalos sozinho, o que significava que não se sentia integrado na turma, o que é normal face ao seu diagnóstico e inerente necessidade de mais tempo de adaptação a uma nova turma. Embora não seja o comportamento ideal e adequado, sendo natural para o diagnostico dele apresentar alheamento e incompreensão para o que é entendido como socialmente conveniente, pelo menos significa que o João está a tentar integrar-se. Entendo que essa integração não deve ser apenas da iniciativa do João e que a escola, nomeadamente os professores, se devem preocupar com este aspecto social e cívico que é benéfico não só para o João como também para os seus colegas. Evidentemente que terá de se ajustar com o adequado comportamento em sala de aula para o qual o João tem de ser orientado.
É de referir, que o que me relata em relação à socialização do João com os colegas, este é o primeiro ano que sou confrontada com esta situação, tendo havido sempre a preocupação com a sua integração, na turma, tanto a nível dos alunos, como dos respetivos pais dos mesmos.
Espero que na referida aula de matemática do 5.º B, enquanto todos se queixavam do João sem a presença dele e sem a possibilidade dele se defender, tenha efetivamente procurado sensibilizar os colegas do João para a problemática da necessidade de inclusão e integração social das pessoas com necessidades especiais (vulgarmente chamadas de deficientes). Concerteza uma boa oportunidade de transmitir o significado de "Todos diferentes, todos iguais".

Não nos podemos esquecer que o João não é um aluno mal comportado, nem pode ser tratado como tal. O João é um aluno com um diagnóstico do espectro do autismo cujo comportamento tem de ser compreendido na diferença do seu estar, do seu sentir e do seu modo de ser. Por vezes é difícil, é verdade. Mas se não formos capazes de o fazer… quem será afinal aquele que não é capaz de ser eficiente (deficiente)? Ele ou nós?
Irei então ponderar, junto com a equipa médica que acompanha o João, ministrar a medicação para aumentar a concentração e tentar diminuir a tendência que o João tem para se distrair e dispersar-se.
Como pode ler no e-mail infra, outro assunto para tratar na reunião que pretendo agendar é a minha preocupação com as disciplinas de ET e de EV porque não consigo perceber o que pretendem os professores nas comunicações que escreveram na caderneta do aluno sobre os cadernos das disciplinas e nem leram as minhas comunicações para eles. De facto existiram alguns atrasos do Joao na realização de alguns trabalhos de casa que o João está a tentar recuperar, mas em alguns casos não tenho feedback dos professores sobre se viram os trabalhos que ele realizou, se estão corretos da maneira como foram feitos ou quais as correções a realizar. O João não consegue explicar o que é pretendido. Relembro que a falta de iniciativa é também uma característica do diagnostico do João que exige que ele seja motivado e estimulado no seu acompanhamento . Aliás, a turma é reduzida para que os professores possam fazer esse acompanhamento.
Mais uma vez enuncio que o João embora seja funcional e aparentemente "normal" tem um diagnóstico de espectro de autismo que implica necessidades especiais (o acompanhamento, integração e inclusão, estimulação e motivação são apenas algumas necessidades básicas).
Por ultimo saliento que o João tem feito um esforço enorme este ano e está a adquirir hábitos e rotinas de estudo que vão trazer melhores resultados no seu aproveitamento escolar.
Este esforço não pode ser desprezado nem frustrado e todos temos de continuar a apoiar, motivar e estimular o João para que ele continue a adquirir mais conhecimentos e competências.
Aguardo a indicação da vossa disponibilidade para realizar a reunião na segunda-feira dia ..., pelas 9h30, com a Professora de ensino especial, de preferencia com a presença da coordenadora da area de ensino especial Professora C."


Gostaria de explicar, que o João teve uma participação por parte da professora de Ensino Especial, porque se recusou a fazer os trabalhos com ela, exaltado respondeu que toda a situação em que se encontrava era deles, e virou-lhe costas. A participação também incluia o facto de a professora não ter que aceitar os seus comportamenos, tais como, tirar macacos do nariz e bocejar sem colocar a mão à frente.
Bem, sem duvida que estes comportamentos têm que ser trabalhos e corrigidos, mas uma participação? Quando ele tiver uma crise, uma situação de descontrolo o que fará ela? Chama a policia?
Bem, pelos menos consegui uma resposta para a tal reunião.
Mas entretanto, foram tomadas medidas, sobre as queixas da turma sobre o João. Terão sido medidas de inclusão? Mas como poderia eu esperar um comportamento adequado, inclusivo, quando o próprio João é apresentado por este DT em reunião de pais como um menino repetente e matriculado por disciplinas?
Pelo o e-mail que tive de enviar, conseguem perceber a integração/inclusão que foi feita, por parte deste DT e restantes professores:

"...Tive conhecimento através do João que fizeram mudanças de lugares dos alunos da turma incluindo o João. Não consigo perceber porque é que o João foi o único colega da turma que ficou sozinho.
Percebi ainda que o João manifestou à professora de português que não gostava de ficar sozinho, sem sucesso já que a professora não teve em consideração essa preferência.
Concluo que estas mudanças estão relacionadas com as conversas que os alunos tinham na sala de aula. Mas não percebo porque é que o João é o único que fica sozinho mesmo depois de dizer que não gostava de ficar assim. Não acredito que em toda a turma o João seja o único que conversa nas aulas. Aliás, depois de ter conversado com o João sobre o que acontecia na sala de aula percebi que por vezes era ele que dizia para não falarem com ele na aula. Parece-me que qualquer aluno normal se sentiria tratado de forma injusta e discriminatória e neste caso o João não teve sequer oportunidade de se defender em condições de igualdade.
Não nos podemos esquecer que o João, na verdade, é efectivamente diferente. Tem um diagnóstico do espectro de autismo e por isso a situação torma-se ainda mais grave já que deveria ter sido tratada com muito mais tacto. O João ficou a sentir-se sozinho, injustiçado e discriminado, o que dificulta a sua adaptação à turma e integração social.
Os colegas do João ficam com a percepção que podem prejudicar e excluir o João com a conivência dos professores. O que pode vir atraduzir-se em situações futuras de "bulling" sobre o João. Parece-me que este resultado não é o pretendido por uma escola com uma unidade de ensino especial em que a tônica deveria ser de integração e inclusão dos alunos de ensino especial. Preocupa-me a forma como este episódio foi tratado e não concordo minimamente com a decisão de deixarem o João sozinho contra a sua vontade expressa. Ele quer integrar-se e ser igual aos outros mas não lhe estão a permitir...."


E mais uma vez, estou aqui, tal como descrevi no inicio deste post, de coração apertado, revoltada e com uma raiva que trespassa o meu coração.

A solução encontrada, foi colocar o João sózinho… isto é, tiraram os colegas de perto do João, para ele não incomodar ninguém…
 
Claro que a mensagem que passo ao João, é que é o melhor. Assim ninguém o chateia, e deixam-no estar concentrado nas aulas… e sim, admitiu que às vezes também fala… mas parece, que para os professores, o João é o único menino que fala nas aulas…
É desumano, mais do que desumano, é cruel.

Pelos vistos o professor não aproveitou o momento para fazer a inclusão… pelo contrário.
VAMOS LÁ ISOLAR O BICHO!

Hoje o João pediu-me: mãe, para a minha festa, convida o 6ºB. Sabem quem é o 6ºB? É a turma do ano passado, onde embora a nivel de professores tudo correu mal, mas a nivel de integração, foram os próprios pais que alertaram os filhos, o quanto tinham de apoiar o João e o ajudar.
Sim, será o que vou fazer. Vou enviar aos pais da turma do ano passado, com o devido enquadramento, convidar os seus amigos de referência para a festa dele.

Desculpem este testamento… mas estava a precisar de escrever… de partilhar e até pedir para vocês mesmo partilharem, quase como denuncia, sobre o que uma classe de professores é capaz de fazer com uma criança sinalizada com PEI e tem os pais que se recusam a sinaliza-lo com um CEI.
Se já tinha todas a convição de que o João não é um menino CEI, com este teste, mais certezas eu fiquei. Mas se leram com atenção, mesmo com esta positiva, os professores dizem que o João não tem capacidade de adquirir conhecimentos de 5º ano.
Eu só posso concluir que o grande problema do João é que se não é ensinado, não consegue aprender!
Que chatice. É autista, mas não é daqueles autistas como nos filmes, que aprendem a ler sozinhos aos 3 anos... que chatice, é daqueles que é preciso ensinar!

Não sei se entendem o que sinto, como me sinto... e não, a solução não passa por tirá-lo da escola… não é o João que tem de mudar… a solução é processá-los e obriga-los a cumprir a lei e o que é de bom senso, como professores que são, alguém lhes dizer que exclusão é crime! … e eles deviam saber isso! Tudo isto porque não aceito um CEI …
A capacidade de dormir e a capacidade de concentração é cada menor!

Não é falta de forças, mas sinto-me cansada… sempre a lutar e cada vez a luta tem que ser maior… por um lado querem que o coloque com um CEI, por outro lado querem que se comporte como um menino normal. Não é um consensual!
Mas na verdade, FELIZMENTE ele está a comportar-se como um menino normal! Querem que eu acredite que o João é o único menino que fala na aula? Tudo o que pode melhorar de um lado, piora do outro.
Por dentro é demasiado doloroso… desesperante…
Como já escrevi; nem nos meus piores pesadelos eu alguma vez senti esta dor e desespero de impotência. De lutar com tanta ignorância, com tanta estupidez, com tanta descriminação… por parte de quem deveria ser o seu porto de abrigo. Não falo da sociedade, falo de uma escola que se diz inclusiva!
Não consigo esconder, não consigo deixar de expor esta sensação, este mal estar… esta tristeza. Tento, tento desviar o pensamento para outras coisas, mas… não consigo… não consigo pensar que o meu filho, está sózinha na escola por sua conta. Aquele que mais precisa de estabilidade, de um ponto de referência, de um porto seguro, de uma zona de conforto, de alguém em quem confiar…. E numa escola que se diz inclusiva… ele está sózinho porque não se enquadra nos padrões que eles, já não estou a falar da sociedade, que definiram!
Calma… tenho de ter calma!

É tão fácil dizer que tenho de o mudar de escola, é tão fácil dizer que tenho de ter calma, é tão fácil dizer que sou forte, é tão fácil… é tão fácil, mas depois vejo pessoas à minha volta revoltadas porque os seus filhos não ficaram na escola que os pais elegem como a melhor para os seus filhos, que a escola é uma porcaria porque colocaram aos seus filhos numa turma com os piores alunos, por a escola onde os seus filhos foram colocados não é a que está no ranking das melhores escolas, porque os seus filhos tiveram uma dor de barriga e tiveram de ficar em casa, merdas e futilidades, que não são de facto problemas, são dias que correm menos bem, apenas isso!
Mas são os primeiros a apontarem-me o dedo porque não o mudo de escola, questionam-me como consigo deixar o meu fiho na escola e ir trabalhar...

Não vou desistir… não sei se vão entender o que vou escrever:
- Sinto o meu coração a sangrar…